domingo, 4 de novembro de 2012

Carta ao Palhaço

Justificativa: infância e a desconstrução do Palhaço

Crescer é dolorido porque as verdades se desconstroem a cada segundo, a cada centímetro crescido. As verdades evaporam com os segundos, com o evaporar das horas, com o barulho incessante e irritante do relógio de parede.

E uma das grandes desconstruções da infância é a do palhaço. Justamente quando a gente descobre que ele não é de verdade. E por isso, não é sempre tão engraçado, tão colorido, tão poético. É só mais um personagem e tão humano quanto cada um de nós, que não é só bom, ou só mau. É um pouquinho dos dois, e nem por isso ele é uma farsa, mas talvez, o único jeito que ele encontrou de conviver com as suas infelicidades, tristezas, mascarando-as pra si mesmo. E isso não o torna menos humano e menos digno.

Assim como o palhaço, muitas pessoas que a gente encontra por aí são assim, como o personagem do palhaço: um sorridente solitário em busca de si mesmo.
Pensando nisso, resolvi escrever uma cartinha para essas pessoas que, como disse, não são boas, nem ruins, mas humanas.

Carta ao Palhaço

Querido palhaço:

Você que já fez a gente rir tanto a ainda faz muita gente rir.

Você que caricato é, costumava ser engraçado.

Cresci. Querido palhaço, a magia se foi. E foi tão de repente. Tão de repente.

Você então, daí, ficou assim, primeiro turvo sem graça...é uma pena, porque poderia rir de você e com você para sempre. Diversão garantida para meus dias tão cinzas e iguais, tão metódicos e muitas vezes, banais.

E não me leve a mal, porque acredite, divertir as pessoas é um dom, uma arte, que o tempo só tende a lapidar. E você tem esse dom. Você cativa as pessoas muito facilmente, com suas cores atrativas, seu nariz redondo e vermelho, sua maquiagem engraçada, quilos e mais quilos de pancake, sapatos característicos e macacão largo. E claro, com sua descontração.

Você é o melhor ator de todos porque, mais do que ninguém, acredita profundamente em você. De tão fascinante que parece ser essa profunda crença de ti em ti mesmo, eu quero te perguntar, eu quero te investigar: 'O que tem aí dentro? O que tem por trás de tanta maquiagem? Quem é você de verdade? Posso te conhecer? Deixa eu ver!'

Mas você me fita com uma expressão um tanto quanto assustada e chega a se sentir ameaçado e se esconde mais ainda em suas roupas, maquiagens, perucas, nariz vermelho, máscara. 

Esconde-te em tua máscara. A máscara te resguarda de sua solidão, de sua tristeza. 


O prazer de ser palhaço é justamente esse: o ser teatral ameniza a sua tristeza. A tristeza de sua realidade muitas vezes tão sofrida. E ser palhaço te realiza, eu sei. Deixe ser, então. 


Você se realiza. E realiza os outros também.


Queria ajudar-te a tirar a máscara. Mas não posso, não consigo, e agora, não sinto mais vontade.

Querido palhaço, chega de dizer, de falar, de se esforçar, afinal, pra que tanto dizer, para que tanto querer, para que tanto fazer, para que tanto esforço, para que tanto? Para que? Para? Para! Para..."



segunda-feira, 24 de setembro de 2012

"Mais amor por favor"


Olá queridos leitores!

Putz, faz um tempo que queria falar dessa São Paulo que conheço e que me acolhe desde 1982. E que, aliás, a todos acolhe.

Para aqueles que moram, já moraram ou ainda vão morar em São Paulo, vai ser bem fácil visualizar o que tento falar, do sentimento comum às pessoas que moram nas cidades grandes e, especialmente, nessa cidade.

Um sentimento muitas vezes – e na maior parte das vezes – dúbio.

Uma vontade às vezes de querer fazer tudo, todos os cursos gratuitos e não gratuitos, ir a todas as exposições em cartaz, gratuitas e não gratuitas, a todos os shows de domingo no Ibirapuera, conhecer o mais novo restaurante, e o não tão novo, mas tradicional, de conhecer o mais novo barzinho, e a não tão novo assim, mas aquele que a gente sempre acaba quando não sabe pra onde ir ou até mesmo pra terminar a noite.

Mas, de repente, uma vontade de não fazer nada atinge a gente, uma priguicite aguda (como diria meu pai!) acumulada da semana que te deixa paralisado, preso no “apertamento”, ou na casa, tanto faz, preso do mesmo jeito a gente fica. Preso pela preguiça e pelo receio de sair de casa e saber que não será nenhuma novidade você pegar trânsito no domingo, ter que rezar para o flanelinha não rabiscar o seu carro se você não der os R$ 20,00 adiantados que ele pede. E você paga. E dói. Mas é o preço que se paga para viver aqui.

Mas tem uma coisa me atrai nessa cidade: o poder que qualquer um tem de ser tudo e não ser nada. E ela me deixa ser tudo e não ser nada. Me deixa brilhar nos palquinhos de karaokê espalhados pela cidade e ter meus minutinhos de fama (!), e que permite igualmente ser mais uma anônima nas ruas de São Paulo, seja entre os ricos e novos ricos que circulam pela Oscar Freire, seja andando por entre as ruas estreitas da Vila Brasilândia, ou até mesmo pelas ruas de nome estranho de São Matheus ou então caminhando na Avenida Paulista, do começo até o fim, do fim até o começo. Nos dias frios e nos dias de verão.

E por causa disso e de muitos mais issos, eu gosto e desgosto dessa cidade. Eu, ao mesmo tempo que amo, odeio. Ao mesmo tempo em que tudo, de uma hora pra outra alaga e um monte de gente morre, eu juro pra mim mesma que vou mudar daqui, eu me encanto com a riqueza de cada pessoa que conheço, já conheci e ainda vou conhecer por aqui...e com o charme do Teatro Municipal todo iluminado à noite, da boemia da Vila Madalena e da agitação da Vila Olímpia. E do silêncio daquela rua do Carrão.

E por tudo isso, escrevi algumas linhas sobre São Paulo, ou Sampa, para os mais chegados, e posto uma música do Criolo ("Não existe amor em SP"), que acho a cara de São Paulo (Sim, eu sei que “Sampa”, de Caetano, é linda e poética e romântica, mas acredito que essa composição do Criolo demonstra bem a solidão das grandes cidades, em cada muro grafitado, em cada canto, em todos os cantos).




“Mais amor por favor”

Luzes iluminam a cidade.
De faces diversas, sofridas, confusas, cansadas.
Apaixonadas, perdidas, apressadas, desiludidas, sozinhas.
Sonhadoras.
“Mais amor por favor” – grita o grafite espalhado por São Paulo
O homem, com um bíblia na mão, fala para quem quiser ouvir, no meio da Praça da Sé.
E a ele se misturam muitos outros homens de passos apressados, esbarrão, papéis rabiscados, no chão.
Família cabisbaixa adentra o Forum João Mendes.
Sonho de justiça.
Disparam sirenes na Avenida Paulista.
E a ela se funde o barulho.
Das buzinas das motos, dos carros, dos ônibus.
O político angariando voto, o alto-falante anunciando.
E não tão longe dali, o homem, segurando uma, duas, três placas, ainda tem força para gritar: “Ótica, ótica, ótica!”
E o barulho da chuva é o que menos se percebe aqui, ali, acolá.
A natureza do asfalto nos engole o tempo, a dor, a fome, o amor, a pobreza, a riqueza, o amargo rancor.
E os muros insistem: “Mais amor por favor”
Ando pela Paulista, esbarrões me fazem mudar de rumo.
A calçada está cheia, as pessoas, vazias. Olhar vazio.
Tento um "oi" com os olhos, mas tudo e todos parecem absorvidos pelo cinza do asfalto.
E os muros falam: “Mais amor por favor”
A cidade grande endurece, o cinza do asfalto entristece, mas também enriquece, engrandece.
Tem coisa mais dúbia do que os sentimentos provocados por esta cidade?
Cidade do caos, do trânsito sem hora, da garoa intermitente, do asfalto molhado, dos japoneses, dos italianos, árabes e mulçumanos, de todos, enfim, paulistanos. Filhos do asfalto.
E a cidade, sem cessar, pede a todos nós: “Mais amor por favor.”
Mais amor, por favor.
                                                                                                       Marília Gabriela Gradin


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A arte do estranhamento


Não sei.
Mesmo.
O tempo passou, e passa por mim... assim.
De um jeito ou de outro.
E, em vão, tento escrever no branco da tela. Preencher o vazio que agora se completa.
E fico pensando... como é difícil entender tudo.
Ou como é fácil não entender nada.
Como é difícil ser 8....ou 80.
Ou, como é fácil, muitas vezes, anunciar, celando qualquer discussão: “Sou 8...ou 80”.
Como diria Caetano, “cada um sabe a dor e delícia de ser o que é.”
Pois é.
E cada um é um.
E por isso que eu penso.... o outro é um universo a parte.
Previsível? Hmm... sim, estranhamente previsíveis alguns deles...outros, diria que “desvendáveis”. Mas tem aqueles que são indecifráveis, duros, impenetráveis, até no seu olhar mais reto, mais sicero.
A razão é, por isso, um tanto quanto non sense certas vezes.
Ou, na maior parte das vezes, pra não dizer sempre, então.
Muito estranho tudo isso.
E onde fica o sentido disso tudo neste exato momento?
Será que há um sentido permanente que reside sobre as coisas? Ou será um sentido transformado a cada segundo de nossa existência?
Que lógica mais estranha essa.
A lógica do tempo que a gente vive.
A lógica da busca do silêncio no meio de tanto barulho.
E da busca pela quietude em um tempo tão fugaz, frenético.
Da busca da espiritualidade em um tempo onde é tudo tão volátil.
Tudo tão institucionalizado e o que a gente quer, na verdade, é seguir o sentido oposto.
Que lógica mais estranha essa a nossa.
E eu acho que tem muito de Lewis Carrol em tudo isso!
A lógica do estranhamento.
A arte do estranhamento.
A arte da eterna busca pelo sentido no interminável estranhamento inerente à condição humana.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

"O tempo não para"


Olá, queridos leitores. Já teve um daqueles dias que desejaria não ter tido? Não pelo menos da forma que aconteceu, do jeito que foi? Então, esse foi exatamente um desses dias. A gente até tenta esquecer às vezes. Apagar da memória o que não aconteceu do jeito que a gente queria, ou planejava. Mas não dá. Pois é, não dá. E sabe por que? Porque ele faz parte de nosso crescimento, de nosso aprendizado, da própria condição humana e, mais ainda, de quem nós somos, agora, nesse exato momento. Pensando nisso tudo e na dinamicidade das experiências da vida, me veio uma frase na cabeça: a vida não para, o tempo não para. E aí claro, fui ouvir a música do Cazuza, “O tempo não para” e acabei escrevendo algumas impressões sobre isso tudo, o tempo e a condição humana. Lá vai!

Filha, nem liga, isso não importa

Sou  forte, mas às vezes sou fraca. Finjo que não tô nem aí, mas me preocupo. Solto um sorriso tímido quando na verdade quero chorar. E choro quando estou feliz. Ignoro o que é importante pra mim. E o que não é, vanglorio, dou a maior importância e prioridade do mundo. E só depois descubro que o importante não era assim tão importante que não pudesse esperar, e que, o que não era, era o que, na verdade, não podia esperar o tempo o passar. E aí, só depois do depois lembro de minha mãe: “Filha, nem liga. Isso não importa. Isso é pequeno demais pra você ficar se preocupando. Preocupe-se com coisas mais importantes.” De fato, os problemas tem o tamanho e dimensão exatas que damos a eles.

O futuro repete o passado

Que coisa de doido, que contradição. No presente, penso no futuro. No futuro, penso no presente que acabou de virar passado. E olha só o que descubro: o  futuro repete o passado.  Mais uma vez. E de novo. 

TIC TAC, o dia terminou

E o relógio não para. Até consigo escutar o barulhinho dos segundos no silêncio da noite com o eco da televisão ao fundo. O dia terminou. Hora de ir dormir. A semana terminou. O ano, já quase na metade. De novo. O tempo passou por mim. Onde eu tava?

E o tempo não para

Como diria Cazuza, realmente, o tempo não para. Às vezes voa e a gente implora, reza, faz de tudo pra que não passe, ou pra relembrar aquele momento agradável. Mas ele passa. Daí, outras tantas vezes, a gente também implora e reza e pede “pelo amor de Deus” para que o momento difícil, aflitivo, a situação constrangedora ou a nossa dor passe depressa, suma, nos deixe em paz. E aí então é que parece uma eternidade...

A vida tá aí

E a vida tá aí, escancarada na nossa cara. Pra quem quiser ver e também para aqueles outros que não querem, mas persistem e insistem. De uma maneira ou de outra. Tão breve que é nosso tempo aqui, e a vida tá aí. E vemos tanto. Todos os dias. Já vimos tanto. E quanto ainda vamos ver? Quanta pobreza pelas ruas. E quanta pobreza de espírito também. Quanto frio. E quanto calor. Quanta dor e quanto amor. Quanto desejo e quanta repulsa. Quanto céu e quanto inferno. Dentro de mim, dentro de você.

A gente é o que é

Mas a gente é o que é. E nem adianta disfarçar. Não adianta choro nem vela. Disfarce nem conversa. O fato é esse. Cada um dá o que tem. E a gente faz o que pode. E algumas vezes, o que não pode também. Até cansar. Mas não fiquemos desesperançosos com todo esforço que parece ter sido em vão, todo investimento não reconhecido, porque, no mínimo, isso já serviu para a gente evoluir e repensar em alguma questão nossa. E também, pra fazer da gente o que a gente é. Uma pessoa nova a cada minuto. E são elas, nossas experiências, nossos dias não tão coloridos, que fazem da gente o que a gente é. E enriquecem a nossa bagagem, para que, ao final da jornada terrena, possamos dizer que valeu a pena todo esforço!





segunda-feira, 30 de abril de 2012

Jogo dos encontros e desencontros


Com a devida licença de Sofia Coppola, também acredito na vida como um jogo dos encontros e desencontros. Pessoas interessantes, encontro.  E, outras, nem tanto assim, desencontro. Forma. Atração. Pensamento. Educação. Formação. Respeito. Falta de respeito. Repulsa. Negação. Mulheres ou homens. Eles chegam, passam e alguns até entram nas nossas vidas; uns só de passagem, de repente desaparecem. Primeiro da nossa agenda de contatos. E, um pouco depois, das nossas vidas. Outros, vão ficando.

Das que a gente tinha certeza que iam ficar e não ficaram

Tem aquela pessoa que chega, como que dizendo, quase que anunciando e mostrando que vem para ficar, para ocupar nosso espaço, nosso vazio, nosso desespero. E a gente passa a ter mesmo a certeza que ela vai ficar. Cada dia mais. E para todo o sempre. Compartilhando o nosso dia-a-dia, nossas tristezas e decepções. Nossas vitórias e comemorações. Mas, de repente, algo acontece lá dentro da gente e quando a gente viu, já foi. Toda a magia, todo o encantamento, toda admiração, todos os beijos apaixonados, todo carinho e todo o cuidado, todo o sexo apaixonado, intenso e calado e gritado e toda a intimidade de todos os dias e de todas as noites, se foi. Evaporou. Sumiu. Desapareceu. Morreu. Passou pela nossa vida, e de repente a gente nunca mais vê.

Da que chegam despretensiosamente e acabam ficando

Tem aquelas outras que chegam, seja por um esbarrão ao acaso, ou um telefonema proposital de “como vai você” e “quanto tempo” e “precisamos por as conversas em dia” e, assim despretensiosamente vão ficando e cativando.


Das que a gente é posto a conviver diariamente

Tem aquelas outras que a gente é posto a conviver, diariamente. Às vezes, a gente não gosta muito de início. Desconfia. Mas elas ficam um tempão na nossa vida e a gente aprende a conviver e até a gostar delas, de todas as manias e de todo jeito e de qualquer jeito. E quando a gente finalmente aprende, a convivência diária já não nos é mais imposta. E ela passa pela nossa vida. E, depois de um tempo, vira uma lembrança boa. E tem aquelas que simplesmente o santo não bate. Algumas vezes, a gente não entende por que, e algumas outras, a gente sabe exatamente o motivo. Essas passam e algumas vezes, deixam marcas. Dessas, bate aquele desconforto de lembrar, mesmo que elas tenham feito parte de um passado bem distante, ou até recente. É sempre difícil a lembrança. Diria que pesada, muitas toneladas.


Das que a gente é posto a conviver diariamente #2

E aquelas que a gente também é posto a conviver, diariamente, e, desde o início bate uma afinidade? Ah, isso sim é legal. Elas só não ficam na nossa vida quando o destino não permite. Aquela afinidade amiga, sincera, que se fosse por ela e pela gente, a amizade ia durar a vida toda. É uma pena. Às vezes, a gente tem tanto o que aprender com aquela pessoa, e acaba, sem querer, ensinando também. Uma troca perfeita e harmoniosa. É, é uma pena. Mas Deus do céu, e quando a afinidade vem junto com a atração? E a gente sabe que tinha tudo pra dar certo, pra ser legal, para ser uma construção de ideias conjuntas? Que desespero que bate! E a gente se vê de mãos atadas. A gente quer mesmo é dar um grito, como se fosse isso resolver alguma coisa. Definitivamente. Mas os dias passam, e tudo continua igual. Pessoas que a gente queria ter com a gente de uma ou de outra forma, ou de todas as formas juntas, mas alguma coisa naquele momento não permite que aconteça. E talvez nunca venha a acontecer. A gente não sabe, né. E aí, às vezes, essa pessoa, escapa pelos nossos dedos, e a gente um dia, nunca, nunca mais mesmo, vê a pessoa. E em algum lugar do mundo, a gente pensa nela, com carinho, e em como teria sido legal. Timings diferentes. Não era para ser, de repente.

Das que a gente ainda não sabe

E tem, por fim, aquelas que a gente ainda não sabe o que vai acontecer. Elas estão na nossa vida por alguma circunstância que permitiu isso. E vão ficando, dia-a-dia, delicadamente. Será que elas vão ficar por mais algum tempo, ou será que um dia, de uma hora pra outra, ela vão evaporar? Acho que essa é a graça de tudo: viver sem saber o que vai acontecer, o que esperar. Que encontros e que desencontros estão por vir?

Das que estão na sua vida

E pra você, leitor, o que será que te aguarda? Quantos outros tantos encontros e desencontros hão de acontecer ainda na sua vida?


segunda-feira, 19 de março de 2012

O retrato de um discurso perdido ou nem tudo são flores


- A vida tem que ser mais simples. – dizia Carlota (nome até bem apropriado, combinava com ela) com tamanha naturalidade que até parecia parte de sua filosofia de vida. Dorothy, em um primeiro momento, ficou atraída pela postura simples que Carlota propunha a si mesma.

Conheceram-se. Discordaram. Brigaram. Juntas. Sozinhas. Em grupo – discórdia.

E aquela frase ecoava na cabeça confusa, metódica e dúbia de Dorothy: - mas ela não dizia que a vida tinha que ser mais simples?

E Dorothy pediu perdão. Mesmo achando que estava certa. Orgulho, sim. Ela está trabalhando nisso.

E então perdoou as palavras fortes que a ela foram dirigidas. É, perdoou. Perdoaram-se. Uma. E, depois, a outra.

E mesmo com toda a mágoa, com toda a dor, tinha ainda algum amor perdido dentro daquela menina-mulher - mulher-menina que era.

E começou tudo de novo.

Reconheceram-se uma na outra. Outra na uma. Discordaram. Brigaram novamente. Fizeram as pazes. Primeiro, declaradamente, depois, o silêncio. Cada uma para um lado. Só que dessa vez, definitivamente.

E aquela frase pesava na cabeça da pequena Dorothy: - A vida tem que ser mais simples.

Prova. Provação. Dificuldade.

Vida. Viver. Simplicidade?

Impossibilidade!

Frase fajuta, lugar-comum, massificada, repetida, feita e pronta? Pode até ser. Frase ironizada.

Discurso não posto em prática: ironia do destino, pedra no caminho.

A palavra pela palavra perde força, aplicabilidade, vivacidade, colorido.

Perde sentido.

Como ousar, então, se perder no sentido do discurso morto?

Discurso pelo discurso.

Ou o discurso pelo ego.

Discurso engessado, fora de forma, capenga, desbaratinado pela ânsia da satisfação pessoal.

Zupt. O momento passou.

De uma hora pra outra, o momento passou, e o discurso já não serve mais.

Nem mesmo para justificar as fraquezas que Carlota trazia na montagem e repetição daquela linda frase feita.

Após um longo suspiro, Dorothy desistiu. E entregou os pontos. Acabou. Cedeu à realidade. Conformou-se.

Cada uma seguiu seu rumo. Lembraram-se dos bons momentos.

Depois de um tempo, nunca mais se viram.

Nem tudo são flores.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Hoje é domingo, pé de cachimbo e o sentido da vida


O domingo que era sexta-feira

Vejo daqui a chuva descendo pela janela do ônibus. Seria eu capaz de fitá-la por mais alguns minutos sem pensar inevitavelmente que hoje é domingo? E hoje é domingo, pé de cachimbo. Assim já diziam meus avós a mim e a minha prima, quando ainda eramos pequeninas...Mas naquela época, os domingos ainda eram sextas-feiras. Até que, alguns anos depois – ou, muitos anos depois - o domingo virou domingo, ganhando a sua devida proporção. Ruim? Não, diria até que necessário.

O domingo que virou domingo

Necessário porque os contrastes fazem parte do entendimento do sentido da vida. Como entender a escuridão se nunca se experimentou a claridade de um dia ensolarado? Sim, que seria do claro sem o escuro? E do escuro sem o claro? Eles não seriam o que são, não teriam o sentido e valor que têm. Como entender o poder imenso que a felicidade nos traz se não passarmos por períodos em que somos tomados pela tristeza, pequena ou grande, não importa. Tristeza é tristeza. E quem já sentiu sabe, e pronto. Qual seria a alegria então de apreciar um doce se não existisse o amargo? Qual seria a graça de esperar um sol bem bonito se não existisse aqueles dias – ou esses dias – nublados e chuvosos. E vice-versa. O frio também não teria graça sem o calor. Ah, nada como esperar o inverno chegar pra ficar embaixo do cobertor bem quentinho. E depois, nada como esperar o verão chegar simplesmente para sentir o sol batendo na pele e olhar para o azul do céu. Nenhuma das coisas simples da vida teria graça sem a riqueza dos opostos.

A ausência do oposto e a escolha

Porque um oposto, na verdade, complementa o outro, e desenvolve a percepção da ausência. A compreensão individual da ausência começa com a escolha diária, com a qual, ou com as quais nos deparamos. Desde o momento em que a gente acorda até o momento de ir dormir, são incontáveis o número de escolhas. Nescau gelado pra acordar ou quentinho pro chocolate derreter? Café com leite ou só café ou só leite? Calça ou vestido? Almoço aqui ou lá? Digo isso ou aquilo? Será que se disser assim, vou parecer rude? Ou será que se não disser assim, vou parecer benevolente demais? É tudo uma questão de momento misturado com a ocasião: escolha, opção, e como é difícil escolher...Principalmente porque uma escolha resulta em uma renúncia. E aí entra a compreensão de cada um acerca da ausência que daquela escolha implica.

Uma tentativa de encontro do sentido da vida

Será que um olhar sobre o sentido da vida está na observância dos opostos? Será que o sentido de tudo isso tem um segredo? Se tiver, o segredo é completamente individual, e aí reside o grande desafio: descobrir qual é o seu segredo pra desvendar o sentido particular da existência. O sentido de você gostar tanto de estudar aquele tema. Ou simplesmente o sentido de você não gostar de estudar. O sentido de você querer se envolver em calorosas discussões que, muitas vezes, te tiram do sério. O sentido da preguiça. Do amor. Da paixão desenfreada que te deixa bobo e cego. E olha que isso acontece. O sentido de você querer tanto aquela pessoa que te tira dos eixos. O sentido de você admirar tanto uma pessoa e o sentido de você não admirar nada outra pessoa. O sentido naquelas ações impensadas. O sentido de ficar tanto tempo com uma pessoa que não tinha e nunca teve nada a ver com você só pra não ficar só (e quem disse que já não se estava só)? Que sentido é esse? Ou, que perda de sentido foi essa? O que um dia já fez sentido e não faz mais. E o que nunca fez sentido. Sim, porque o sentido quem dá é cada um.

Logoterapia

Tem até uma linha terapêutica que tenta compreender o paciente e observar seus valores pelo sentido que ele atribui as coisas que o rodeiam. Trata-se da logoterapia, desenvolvida pelo psiquiatra Viktor Frankl, durante o tempo que ele permaneceu em um campo de concentração. No livro por ele escrito, “Em busca de sentido”, ele relata a aplicação desse método no campo de concentração, muitas vezes questionando essas pessoas sobre o que fazia com que elas permanecessem vivas mesmo sem perspectiva alguma de nada, onde elas buscavam sentido pra isso. E com a coleta de depoimentos, ele foi percebendo que cada uma delas buscava sentido em algo de muito representativo para elas, muito importante em algum momento de suas vidas, seja uma lembrança de um momento, sejam pessoas ou situações. E, por meio da terapia, ele fazia com que elas, relembrassem, de alguma forma, o que fazia sentido pra elas na vida, o que fazia com que elas permanecessem vivas naquela situação. E assim, fazia com que cada um relembrasse, dentro de si, o sentido para a vida delas.

Um dos segredos, talvez...

Observar os opostos, a ausência de um deles enquanto o outro está presente é uma das muitas maneiras em se achar um sentido nas nossas ações e nos sentimentos. Porque, afinal, qual seria o sentido da tão comemorada sexta sem a melancolia da segunda e do vazio do domingo?
Sabendo, portanto, que os opostos se intercalam e coexistem, por que não vivenciar um belo dia aparentemente apático do exercício do nada e dizer: ok, hoje é domingo...(e pé de cachimbo....)
E você, já pensou no que faz sentido na sua vida, o que te move, o que te faz querer fazer cada vez mais?

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Fotografia: uma provocação necessária


O envolvimento...

 Ontem, tarde da noite, ao chegar em casa, tomei um banho e liguei a TV. Mas liguei pra dormir mesmo. Parece até contraditório, mas pra mim, faz todo o sentido do mundo. Não sei se faz mal, sei que é bom. E me conforta. Nada melhor pra dormir do que um documentário, com imagens p&b e a voz do narrador ao fundo. Não que eu não goste desse gênero, pelo contrário, além de apreciar, acredito que, como toda arte, merece atenção e respeito pela pesquisa, estudo e envolvimento do artista com sua obra. Mas o fato é que, depois de um dia cinza e com chuva torrencial – e junte-se a isso muito, mas muito sono - não via nada melhor a fazer naquele momento. Pois é, e essa foi minha intenção ontem à noite, quando tomei o controle em minhas mãos e comecei a zapear canais de TV, sem muito interesse. Mas, surpreendentemente, fiquei acordada, mesmo estando muito cansada e com um baita sono.

O interesse...

 Nem preciso falar que acabei achando algo de muito interessante, né? O assunto? Entrevista com Bob Wolfenson, considerado por muitos, um dos maiores fotógrafos da América Latina, muito conhecido pelos excelentes ensaios realizados com celebridades nuas. E aí está ela novamente: a fotografia. Estamos rodeados dela e por ela, sem censuras. E, frise-se, muito antes de ela se transmutar em fotografia propriamente dita. Rodeados de momentos, de cenários, de lugares familiares e outros antes desconhecidos, de personagens, de caricaturas em formas de pessoas, de pessoas em forma de caricatura, que, em algum momento, fazem parte da nossa história, de nossa vivência.
O retrato de uma realidade, ou melhor, o retrato de um momento. Realidade momentânea, pronto, disse. Momento importante. Momento perdido. Momento dramático. Momento íntimo. Momento histórico. Momento puramente estético. Momento social. Não importa qual seja o momento, a arte da fotografia é legítima em todos eles. E muito, mas muito democrática.

Devaneios na livraria...

Folheando alguns livros de fotografia, em uma livraria na Paulista, um amigo comenta algo mais ou menos assim:
- Não consigo ver a contribuição daquele que retrata mulheres nuas, em poses sensuais. Prefiro muito mais fotos com viés social, que são capazes de passar uma mensagem mais humanista.
- É. - concordo eu, pensativa, mas ainda contrariada e perturbada com alguma coisa naquele comentário. E continuo – Entendo o que você quer dizer, o tipo de mensagem ali contida, a ideologia nas entrelinhas é realmente diferente daquela contida numa foto que retrata um contexto social...

De fato é...

E de fato, é. É fato que a ideologia em cada trabalho muda. E eu até podia ter até enfatizado isso, mas me calei. No fundo, fiquei remoendo aquilo. Ainda não conseguia entender por que valorar diferentemente e com pesos tão distintos a mesma arte se cada uma traz uma ideologia diferente e ajuda a construir a diversidade de ideias e expressões.

De fato é #2....

E é fato também que a maneira como os outros recebem e percebem uma foto de nu artístico e uma foto de cunho social é diferente. A mensagem chega transformada no interior de cada um. A intenção, no entanto, é a mesma: provocar um impacto, um diálogo com o receptor e a sua realidade. Tirá-lo da mesmice, mudar sua rotina. Provocar um pensamento, uma reação daquele que observa a obra. Cada tipo de fotografia tem a sua importância e utilização para um determinado grupo de pessoas.
E, na verdade, esse é o grande insight de arte fotográfica: a mudança do sujeito em relação ao objeto fotografado. A apreensão, o entendimento do objeto retratado de uma forma antes não pensada pelo observador.
Por isso, por que não dizer que cada obra fotográfica tem a sua importância e seu valor? Será que existem fotos desimportantes, desinteressantes? Ouso dizer que desinteressantes sempre existirão. É uma questão de gosto, e cada qual tem a sua esfera, o seu espaço íntimo para julgamento silencioso. Mas, a importância, ah, isso elas nunca perderão, porque tal arte é, no mínimo, agente transformador (antes do tudo) da alma humana - ou para os mais céticos, do cérebro humano.

Agente transformador...

Tem jeito mais legítimo de eternizar um momento, que muitas vezes passa despercebido pelos nossos olhos e sentido? Tem forma mais saudosista de relembrar bons momentos? Fotografia é sim registro perpetuado e, ao mesmo tempo, inacabado da realidade, mas também é liberdade, é a liberdade de quem produz, mas também é a liberdade de quem vê e sente naquilo algo que provoque a sua alma, que descortine aquele sentimento escondido, que intensifique os sentimentos e que aflore as suas paixões. Como negar esse acontecimento? Como negar essa provocação necessária? Será possível ignorá-la?

E você, querido leitor, como a fotografia te transforma?


sábado, 14 de janeiro de 2012

O começo de tudo



O estranhamento

Sempre achei meio piegas o fato de fazer diário. E o estranho é que, mesmo assim, tinha alguma coisa dentro de mim, mais forte do que o meu suposto sentimento, que me movia ao encontro do papel e da caneta. Sempre. E mais estranho ainda é que, só depois de muito tempo, parei para pensar no real sentido daquele sentimento e porque aquela verdade era tão absoluta dentro de mim se aquilo me fazia tão bem.

O despertar

Teve uma época que até parei de escrever porque, afinal, já não tinha mais idade para aquilo. E aquela história – ou, a minha história - adormeceu dentro de mim. Mas os meus dedos, como que se formigassem inquietos, queriam e pediam um papel e uma caneta, e aí foi que, no meio do ano passado, eu voltei a escrever. Escrever sobre tudo, sentimentos, emoções, percepções. Escrever sobre o nada, sobre o mais cotidiano dos acontecimentos. Escrever começou a ser pra mim, naquele momento, um encontro comigo mesma, me encontrar no meio de tanta confusão, aparar as minhas arestas e limpar aquela miscelânea de sentimentos embaralhados dentro de mim. Organizar algo de muito bagunçado que lá no fundinho estava escondido, como as migalhas do pão que a gente junta num cantinho e deixa ali, pra esconder da gente mesmo, sabe?

Verdades absolutas relativas: isso é possível?

Parando pra pensar nesse fato aparentemente bobo, no porquê fiquei tanto tempo me privando de escrever por achar que não tinha mais idade para aquilo, vi como a gente tem verdades absolutas tão relativas que carregamos dentro da gente. E o quão distorcidas elas podem ser. Em certo momento da vida, as nossas verdades, o nosso arcabouço de informações, vivências e experiências, observações, se unem e chega um dado momento que formam um núcleo paradigmático que fica ali, adormecido.
Até que um evento ou acontecimento vem com tanta intensidade que parece cortar a nossa realidade preconcebida de vida e acaba abalando todo o núcleo que já estava logo ali, mas adormecido. E deixa a gente assim, sem reação. Depois, deixa a gente se questionando sobre a verdade que até então era absoluta e que nunca pareceu ser tão relativa, tão descartável. Frustração que faz parte da desconstrução do passado. Afinal, sem desconstruir, sem deixar o vazio entrar, como criar espaço para o novo preencher o vazio que ficou?
Joan Littlewood, diretora de teatro, tinha uma frase que é a seguinte: “Se a gente nunca se perde, jamais encontra um caminho novo”.

O porquê da criação do blog

Devaneios à parte, é mais ou menos essa vontade de escrever, de querer compartilhar ideias, de um quase um falar que motivou a criação deste blog!  Pra falar que até hoje, apesar de não ter sensação que se compara àquela de escrever no papel e sentir a caneta entre os dedos – e olha que essa barreira foi meio que difícil quebrar! -, não tem sensação que se compara àquela de dividir as ideias, mesmo que de forma difusa, e saber que de alguma forma, elas irão pra frente, não ficarão presas e reduzidas a um papel e escondidas em um caderno. Elas serão passíveis de troca, de discussões, de divagações, de idealizações, enfim, de movimento. Pra falar também do despertar de uma consciência já construída, que há muito adormecida, ansiava o pragmatismo, mas se perdia nos detalhes, nos achismos, nos padrões. Pra falar que a vontade que nos move é que deve ser o padrão a ser estabelecido e não aquele que alguém disse que assim o é acerca do mesmo assunto. Cada um tem o seu porquê, o seu motivo, o seu universo peculiar, tem a sua história. Aqui abro um pouco da minha. Espero que de alguma forma, as nossas histórias possam se cruzar nos meandros dos infinitos IP’s para que a gente se encontre em algum momento por aqui! Caro leitor, seja bem vindo a esse espaço!

Quem me inspirou

E, como se sabe, nada se cria, tudo se transforma, a ideia desse blog não veio simplesmente da vontade de escrever, mas também dela. Assim, é importante citar que a minha grande inspiradora foi a Rubi e seu inteligentíssimo blog, mola essa propulsora pra me incentivar a voltar a escrever e montar o meu próprio. Obrigada por tudo, Rubi! Esse é em sua homenagem e sempre será =)