domingo, 4 de novembro de 2012

Carta ao Palhaço

Justificativa: infância e a desconstrução do Palhaço

Crescer é dolorido porque as verdades se desconstroem a cada segundo, a cada centímetro crescido. As verdades evaporam com os segundos, com o evaporar das horas, com o barulho incessante e irritante do relógio de parede.

E uma das grandes desconstruções da infância é a do palhaço. Justamente quando a gente descobre que ele não é de verdade. E por isso, não é sempre tão engraçado, tão colorido, tão poético. É só mais um personagem e tão humano quanto cada um de nós, que não é só bom, ou só mau. É um pouquinho dos dois, e nem por isso ele é uma farsa, mas talvez, o único jeito que ele encontrou de conviver com as suas infelicidades, tristezas, mascarando-as pra si mesmo. E isso não o torna menos humano e menos digno.

Assim como o palhaço, muitas pessoas que a gente encontra por aí são assim, como o personagem do palhaço: um sorridente solitário em busca de si mesmo.
Pensando nisso, resolvi escrever uma cartinha para essas pessoas que, como disse, não são boas, nem ruins, mas humanas.

Carta ao Palhaço

Querido palhaço:

Você que já fez a gente rir tanto a ainda faz muita gente rir.

Você que caricato é, costumava ser engraçado.

Cresci. Querido palhaço, a magia se foi. E foi tão de repente. Tão de repente.

Você então, daí, ficou assim, primeiro turvo sem graça...é uma pena, porque poderia rir de você e com você para sempre. Diversão garantida para meus dias tão cinzas e iguais, tão metódicos e muitas vezes, banais.

E não me leve a mal, porque acredite, divertir as pessoas é um dom, uma arte, que o tempo só tende a lapidar. E você tem esse dom. Você cativa as pessoas muito facilmente, com suas cores atrativas, seu nariz redondo e vermelho, sua maquiagem engraçada, quilos e mais quilos de pancake, sapatos característicos e macacão largo. E claro, com sua descontração.

Você é o melhor ator de todos porque, mais do que ninguém, acredita profundamente em você. De tão fascinante que parece ser essa profunda crença de ti em ti mesmo, eu quero te perguntar, eu quero te investigar: 'O que tem aí dentro? O que tem por trás de tanta maquiagem? Quem é você de verdade? Posso te conhecer? Deixa eu ver!'

Mas você me fita com uma expressão um tanto quanto assustada e chega a se sentir ameaçado e se esconde mais ainda em suas roupas, maquiagens, perucas, nariz vermelho, máscara. 

Esconde-te em tua máscara. A máscara te resguarda de sua solidão, de sua tristeza. 


O prazer de ser palhaço é justamente esse: o ser teatral ameniza a sua tristeza. A tristeza de sua realidade muitas vezes tão sofrida. E ser palhaço te realiza, eu sei. Deixe ser, então. 


Você se realiza. E realiza os outros também.


Queria ajudar-te a tirar a máscara. Mas não posso, não consigo, e agora, não sinto mais vontade.

Querido palhaço, chega de dizer, de falar, de se esforçar, afinal, pra que tanto dizer, para que tanto querer, para que tanto fazer, para que tanto esforço, para que tanto? Para que? Para? Para! Para..."



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