O
domingo que era sexta-feira
Vejo daqui a chuva descendo pela
janela do ônibus. Seria eu capaz de fitá-la por mais alguns minutos sem pensar
inevitavelmente que hoje é domingo? E hoje é domingo, pé de cachimbo. Assim já
diziam meus avós a mim e a minha prima, quando ainda eramos pequeninas...Mas
naquela época, os domingos ainda eram sextas-feiras. Até que, alguns anos
depois – ou, muitos anos depois - o domingo virou domingo, ganhando a sua devida
proporção. Ruim? Não, diria até que necessário.
O
domingo que virou domingo
Necessário porque os contrastes fazem parte
do entendimento do sentido da vida. Como entender a escuridão se nunca se
experimentou a claridade de um dia ensolarado? Sim, que seria do claro sem o
escuro? E do escuro sem o claro? Eles não seriam o que são, não teriam o
sentido e valor que têm. Como entender o poder imenso que a felicidade nos traz
se não passarmos por períodos em que somos tomados pela tristeza, pequena ou
grande, não importa. Tristeza é tristeza. E quem já sentiu sabe, e pronto. Qual
seria a alegria então de apreciar um doce se não existisse o amargo? Qual seria
a graça de esperar um sol bem bonito se não existisse aqueles dias – ou esses
dias – nublados e chuvosos. E vice-versa. O frio também não teria graça sem o
calor. Ah, nada como esperar o inverno chegar pra ficar embaixo do cobertor bem
quentinho. E depois, nada como esperar o verão chegar simplesmente para sentir
o sol batendo na pele e olhar para o azul do céu. Nenhuma das coisas simples da
vida teria graça sem a riqueza dos opostos.
A
ausência do oposto e a escolha
Porque um oposto, na verdade,
complementa o outro, e desenvolve a percepção da ausência. A compreensão
individual da ausência começa com a escolha diária, com a qual, ou com as quais
nos deparamos. Desde o momento em que a gente acorda até o momento de ir
dormir, são incontáveis o número de escolhas. Nescau gelado pra acordar ou
quentinho pro chocolate derreter? Café com leite ou só café ou só leite? Calça
ou vestido? Almoço aqui ou lá? Digo isso ou aquilo? Será que se disser assim,
vou parecer rude? Ou será que se não disser assim, vou parecer benevolente
demais? É tudo uma questão de momento misturado com a ocasião: escolha, opção, e
como é difícil escolher...Principalmente porque uma escolha resulta em uma
renúncia. E aí entra a compreensão de cada um acerca da ausência que daquela
escolha implica.
Uma
tentativa de encontro do sentido da vida
Será que um olhar sobre o sentido da
vida está na observância dos opostos? Será que o sentido de tudo isso tem um
segredo? Se tiver, o segredo é completamente individual, e aí reside o grande
desafio: descobrir qual é o seu segredo pra desvendar o sentido particular da
existência. O sentido de você gostar tanto de estudar aquele tema. Ou simplesmente
o sentido de você não gostar de estudar. O sentido de você querer se envolver em
calorosas discussões que, muitas vezes, te tiram do sério. O sentido da
preguiça. Do amor. Da paixão desenfreada que te deixa bobo e cego. E olha que
isso acontece. O sentido de você querer tanto aquela pessoa que te tira dos
eixos. O sentido de você admirar tanto uma pessoa e o sentido de você não
admirar nada outra pessoa. O sentido naquelas ações impensadas. O sentido de
ficar tanto tempo com uma pessoa que não tinha e nunca teve nada a ver com você
só pra não ficar só (e quem disse que já não se estava só)? Que sentido é esse?
Ou, que perda de sentido foi essa? O que um dia já fez sentido e não faz mais. E
o que nunca fez sentido. Sim, porque o sentido quem dá é cada um.
Logoterapia
Tem até uma linha terapêutica que
tenta compreender o paciente e observar seus valores pelo sentido que ele
atribui as coisas que o rodeiam. Trata-se da logoterapia, desenvolvida pelo
psiquiatra Viktor Frankl, durante o tempo que ele permaneceu em um campo de
concentração. No livro por ele escrito, “Em busca de sentido”, ele relata a
aplicação desse método no campo de concentração, muitas vezes questionando
essas pessoas sobre o que fazia com que elas permanecessem vivas mesmo sem
perspectiva alguma de nada, onde elas buscavam sentido pra isso. E com a coleta
de depoimentos, ele foi percebendo que cada uma delas buscava sentido em algo
de muito representativo para elas, muito importante em algum momento de suas
vidas, seja uma lembrança de um momento, sejam pessoas ou situações. E, por
meio da terapia, ele fazia com que elas, relembrassem, de alguma forma, o que
fazia sentido pra elas na vida, o que fazia com que elas permanecessem vivas
naquela situação. E assim, fazia com que cada um relembrasse, dentro de si, o sentido
para a vida delas.
Um
dos segredos, talvez...
Observar os opostos, a ausência de um
deles enquanto o outro está presente é uma das muitas maneiras em se achar um
sentido nas nossas ações e nos sentimentos. Porque, afinal, qual seria o sentido
da tão comemorada sexta sem a melancolia da segunda e do vazio do domingo?
Sabendo, portanto, que os opostos se
intercalam e coexistem, por que não vivenciar um belo dia aparentemente apático
do exercício do nada e dizer: ok, hoje é domingo...(e pé de cachimbo....)
E você, já pensou no que faz sentido
na sua vida, o que te move, o que te faz querer fazer cada vez mais?
Os celtas e os orientais diriam que sim. O sentido da vida está no equilíbrio dos opostos...
ResponderExcluirPassando para deixar um "oi"! Ótimo pensamento!
Abração!